Hololens: crónica de uma experimentação

04:03Fresh Young´s

Fomos a São Francisco à conferência Build, da Microsoft, e tivemos o privilégio de experimentar os Hololens. Aqui fica a história contada na primeira pessoa. 

O mail nunca mais chegava. Primeiro era ao final do dia. Depois, de manhã cedo. Mais uma insistência. Afinal, a marcação para a experimentação dos Hololens só chegava depois do keynote que abria o segundo dia da Build - uma das maiores conferências mundiais destinadas exclusivamente a programadores interessados nas plataformas Microsoft. Confirmou-se: às 16h45m daquela tarde ia ser um dos únicos portugueses (além de mim, só outro colega de um canal de televisão) a experimentar a plataforma de Realidade Aumentada da Microsoft.
Cheguei ao centro de imprensa quase uma hora antes do horário definido. Já tinham avisado que não seria possível fotografar ou filmar a experiência. Além disso, era preciso sair do Moscone Center (centro de exposições em São Francisco que serve de palco para algumas das maiores conferências mundiais sobre Tecnologia) e andar até um hotel próximo. Ok. Até aqui tudo normal. Já não é a primeira vez que tenho acesso a dispositivos ou tecnologias que ainda estão em fase de desenvolvimento e que obrigam a aceitar uma série de condições - assinar um NDA (Non disclosure agreement - documento em que me comprometo a não escrever nada sobre o que vou ver até ao prazo definido) e não poder gravar áudio, vídeo ou fazer fotos são práticas comuns.
O que me apanhou de surpresa foi toda a logística que a Microsoft tinha preparado para a experiência dos Hololens.
Quem espera, desespera
O meu grupo de oito jornalistas era muito heterogéneo com representações dos mais variados países. Chegámos ao hotel e aguardámos no lobby pela nossa slot. Voltaram a explicar as "regras do jogo" (mas não assinámos nada, o que é estranho tendo em conta todas as condicionantes que se seguiram) e ali ficámos a testemunhar a forma efusiva como saiam do elevador os que já tinham experimentado os Hololens. Estão a ver a fila do cinema para ir à estreia de um Star Wars? Era mais o menos isso. Ficar ali parado a ver os outros que já "viram o filme" a fazerem comentários em voz alta só serviu para aumentar a expetativa . 
É preciso fazer aqui um algum enquadramento. A Build junta mais de cinco mil pessoas que são na maioria programadores. A eles juntam-se pouco mais de centena e meia (acho) de jornalistas especializados onde a média de idades está acima dos 30 anos. Ou seja, o ambiente é claramente geek. E não há nada melhor para um geek (aqui me confesso), do que ter acesso a uma tecnologia que promete tanto quanto esta.
Chegou a minha hora. Subimos a um andar do hotel e temos acesso a um aperitivo. Dentro de uma montra de vidro está um Hololens. Precipitamo-nos, todos, para a vitrine e nem ouvimos o que nos dizem sobre recolher um badge necessário para aceder à demo. Ali ficamos uns bons minutos (confesso que perdi um pouco a noção do tempo). Todos fotografam (a maioria com os smartphones). Recebemos um badge e chaves para um cacifo. É ali que devemos deixar ficar as mochilas e os telefones. A partir de agora, tudo fica registado no bloco que a Microsoft deu aos que só tinham formas digitiais de tirar notas. 
Na antecâmara de primeira experiência, temos hipótese de conversar com um relações públicas (RP) da Microsoft. O ambiente é altamente informal e diz-nos que podemos perguntar tudo. E é o que fazemos. Mas a resposta é, invariavelmente: "ainda não podemos falar sobre isso". Sim, o Hololens é, ainda, um mundo de segredos só disponíveis a muito poucos dentro da Microsoft. A única coisa confirmada é que este Hololens (ao contrário do mostrado em janeiro) funciona totalmente sem fios. E mais não é dito. Avançamos para uma sala onde temos acesso à primeira demo.
Janela para o futuro
Numa sala montada para o efeito (semelhante à usada nas demos públicas) dois membros da equipa de desenvolvimento do Hololens explicam que vão usar o Skype para mostrar o potencial da Realidade Aumentada. Enquanto um fica à nossa frente, o outro vai para trás do cenário onde tem um computador. A ideia é simular uma chamada de vídeo entre os dois. Sendo que um tem o Hololens e o outro não. Para dar início à chamada, o que tem os óculos toca no ar (graças às imagens captadas por dois operadores de câmara conseguimos ver aquilo que está a ver quem usa os óculos) naquilo que é um holograma que representa a sua lista de contatos. 
A chamada de vídeo tem início e a janela tridimensional pode ser arrastada facilmente para qualquer local da sala (aliás, até segue o utilizador). Para exemplificar mais uma capacidade do Hololens, o utilizador que está à nossa frente, repousa o holograma em cima de uma mesa e explica que a tecnologia tem a capacidade de perceber que aquilo é "uma mesa" e que é um local que está predefinido como "área habitual de fixação". Isto já estava a impressionar-nos a todos. Mas o que se passou a seguir foi incrível.
O programador que estava no computador partilhou um holograma de um objeto que estavam a desenhar em equipa para depois imprimir numa impressora 3D. Deste lado, o outro pegou, mesmo, no objeto e pouso-o onde quis. Melhor: conseguiu, com o movimento dos dedos, aumentá-lo de tamanho e todos vimos, à nossa frente, a Space Needle, de Seattle. 
Depois, usou os dedos para desenhar em cima do holograma para dizer quais as alterações que queria que fossem feitas. Tudo isto em tempo real, numa apresentação imaculada e impressionante. Terminaram sem haver acesso a perguntas. Foi neste momento que perguntei ao RP da Microsoft se a coisa já tinha acabado: "Afinal, não vou poder usar os óculos?". Com toda a calma do mundo sorriu e disse-me: "Ainda só estamos a começar".
Mais um andar
Regressámos à sala dos cacifos e retirámos as nossas coisas. Estava na altura de voltarmos ao elevador e subir mais uns quantos andares. A expetativa aumenta com a abertura das portas do elevador e com a entrada num corredor interminável onde estão, provavelmente, umas cinquenta pessoas espalhadas junto às portas dos quartos (provavelmente, porque não as contei, mas era muita gente). 
Seguranças privados misturavam-se com o staff oficial do evento e com outras pessoas “à paisana” que eram, também eles, funcionários da empresa. Mais uma sala, mais um cacifo. Passamos o corredor e entramos noutro espaço. Agora, explicam-nos tudo os cuidados para a colocação mais correta dos Hololens. A forma como os devemos segurar e ajustar a banda traseira para que fiquem bem seguros. Também nos explicam como é que se “clica” nos ambientes holográficos do Hololens.
Pedem-nos para estender o braço mantendo o cotovelo perto do corpo e que, depois, estiquemos o indicador no ar (na vertical) e que, sem o dobrar, fazemos o movimento descendente. Fazêmo-lo todos ao mesmo tempo. “Perfeito!”, dizem as três pessoas da Microsoft que estão na sala. Mas ainda havia mais: para usarmos os óculos faltava um pormenor muito importante. Usaram um pequeno aparelho para medir a distância que separa as irís dos nossos olhos. O valor (o meu foi 28) é fundamental para calibrar os Hololens. Algo que, esclarecemos, não vai ser necessário na versão final do dispositivo.
Mais uns minutos de espera e alguém bate à porta e diz que está na hora. Caminhamos pelo corredor, em fila, e, por ordem, vamos sendo encaminhados, cada um, para o seu quarto. Tudo isto em silêncio. Dentro do quarto, duas pessoas: uma rapariga vestida com uma t-shirt da Build e um rapaz, também ele novo, com o típico aspeto de programador (t-shirt fora das calças de ganga e uns óculos suaves). É ela que vai conduzir a apresentação; ele está lá para fazer alguns cliques de rato e resolver quaisquer problemas técnicos que possam surgir. Sento-me e seguro, pela primeira vez, os Hololens. São mais pesados do que estava à espera.
Não tenho tempo para os ver em pormenor, mas com os dedos sempre consigo sentir botões no topo direito e esquerdo. O material parece-me resistente (plástico, quase de certeza) e as lentes transparentes curvas deixam que consiga ver facilmente o que me rodeia. “Consegue ver os quatro cantos do retângulo Windows?”, pergunta a jovem. Sim, conseguia. Este é o primeiro passo para configurar os Hololens, definir o campo de visão. Levanto-me e a demo começa. É sobre as potencialidades do Hololens para ajudar na arquitetura. É-me recordado que construir uma maquete para um projeto custa vários milhares de dólares e leva muito tempo a fazer. 
“E se o arquiteto conseguisse ver rapidamente como vai materializar-se o seu edifício?”. À minha frente está uma maquete com um espaço retangular vazio mesmo ao centro. Ao lado, um monitor mostra uma ferramenta de desenho profissional onde está aberto o projeto de um edifício. Olho, para o ecrã e vejo um edifício baixo, de linhas modernas. Pedem-me que volte a olhar para a maquete. Os Hololens mostram-me, agora, o mesmo edifício sobreposto no modelo. A qualidade da imagem é excelente. Não há arrastamentos. Aliás, não vejo píxeis. Tudo está perfeito. Mexo a cabeça e, naquele local, a maquete continua a ser visível.
Agora, seguro o rato e começo a fazer subir e descer a altura do edifício no monitor do computador. Pedem-me para arrastar o cursor do rato para a maquete. Uau! Posso fazer o mesmo diretamente no holograma! O telhado sobe e desce exatamente como no monitor. Incrível!
De seguida, dizem-me para imaginar um cenário em que o arquiteto quer ver como vai ficar aquele edifício integrado nos prédios circundantes. Para isso, pedem-me que olhe para uma parte mais baixa da maquete onde surge agora um pequeno boneco. Nesse momento, passo a ter uma imagem tipo Street View, da Google. Consigo ver os edifícios que já existem no local e até as suas cores. Mexo-me no cenário virtual usando o rato. Facilmente, mudo alguns tons para que tudo fique mais de acordo com o encarnado que parece dominar o cenário.
A experiência é excelente. Passamos ao segundo cenário. Ando para outra parte do quarto onde está simulada uma parede de tijolo e outra totalmente limpa. Olho para a que está limpa e uma figura humanóide (sem feições, cor ou qualquer outro pormenor) faz-me um relatório sobre a obra que está a decorrer naquele edifício. Trata-se de um relatório deixado por um dos engenheiros da obra. Oiço que devo examinar uma determinada parede e, com a mão no ar, faço um clique com o dedo indicador que serve para eliminar a caixa de diálogo que dava conta da nota a inspecionar. O som que saiu dos auscultadores integrados no Hololens estava bem definido e até deu ilusão de alguma espacialidade. O movimento com o dedo correu bem à primeira.
Pediram-me para olhar para a tal parede de “tijolo” e comecei aquilo que seria o futuro espaço dentro do edifício. O realismo do holograma era impressionante. A luminosidade, o pormenor dos materiais usados... a forma como tudo estava fluída sem qualquer tipo de perda de resolução ou ruído visual.
Mas a experiência não é perfeita. Ao princípio, quando olhei para o tal retângulo de configuração, estava, na realidade, a olhar quase como que para uma janela onde os hologramas são mostrados. Quer isto dizer que o nosso campo de visão está limitado a esse espaço. Ou seja, não há hologramas espalhados por todo o lado como tinha sido dado a perceber pelas demos oficiais da Microsoft. 
Os hologramas surgem, sim, mas só naquele espaço confinado. Isto limitou bastante a minha experiência quando olhei para a tal parede “tijolo”. Estava à espera de ter uma imagem total da parede como holograma, mas fiquei limitado a um retângulo e, para ver o resto da ilusão, tinha de ir deslocando a cabeça. Foi assim que consegui aceder à planta do edifício e ver, mesmo, que existia um cano que estava no caminho de um pilar. Era preciso mudá-los de sítio. Para isso, fui convidado a deixar uma nota de voz com essa referência. O que fiz, sem problema. Ou seja, tinha interagido com os hololens nas três formas possíveis: com o olhar (a janela que mostra o holograma consoante o local para onde olhamos), com o movimento (os movimentos da cabeça) e com a voz.
A experiência terminou. Fui encaminhado para os cacifos e acabámos por descer ao lobby do hotel. Sempre acompanhados pelo tal RP da Microsoft que foi bombardeado com dezenas de questões às quais foi, simpaticamente, tentando responder sempre que havia resposta possível.
Em conclusão
Já experimentei os Oculus Rift e os Gear VR. A comparação com os Hololens não é a mais correta pois esses são de Realidade Virtual (imersão total) e os da Microsoft são de Realidade Aumentada (sobreposição de hologramas sobre imagens reais). Mas a comparação já se ajusta com os Google Glass que também tive oportunidade de usar. E, neste caso, os Hololens são infinitamente superiores.
Acredito que esta tecnologia tem muito potencial. Essencialmente porque os Hololens fazem parte da Windows Universal Platform (o Windows 10, entenda-se, onde as apps são desenhadas para poder correr numa míriade de dispositivos) que a Microsoft diz que vai ter “mil milhões de dispositivos compativeis dois a três anos após o lançamento do Windows 10”. Ou seja, o programador que fizer uma app pode, facilmente, chegar a todo este universo de utilizadores e... aos hololens. No entanto, a empresa vai começar pelos mercados profissionais e só depois vai trazer a Realidade Aumentada aos consumidores finais. A Microsoft diz que o dispositivo vai chegar ao mercado “no tempo de vida do Windows 10”, o que não permite tirar grandes conclusões.
Os hololens que testei não são finais e acredito que alguns pormenores ainda possam ser afinados. Gostava, mesmo, que a questão do “campo de visão limitado” fosse ultrapassada e gostava de interagir com os hologramas alterando-os – como vi na demo feito pela Microsoft.
Se fosse possível ter uns, agora, tenho a certeza que os comprava. Mas é preciso não esquecer que os Google Glass também vinham para mudar o mundo e hoje são um dispositivo quase descontinuado pela Google. O que garanto é que quem experimenta os Hololens não fica, mesmo, indiferente a este novo mundo holográfico desenhado pela Microsoft.

You Might Also Like

0 comentários

Popular Posts

Formulário de Contacto